quarta-feira, julho 05, 2006

Quem paga o pacto?

Os deputados estaduais gaúchos, de todos os partidos, resolveram, há uns dois meses, fazer algo que raramente fazem os políticos neste país: cair na real, afundar-se nas terras molhadas da vida diária. O Estado está quebrado, entre outras coisas, por ter, de cada cem na folha, 51 ativos e 49 inativos, uma conta impossível de fechar, que resulta em um terço do orçamento de R$ 19 bilhões e 100 milhões comprometido com despesas financeiras.

Logo que o pacto foi proposto, pelo presidente do Legislativo, um deputado do PMDB, o PT (que foi governo no período 99-2002), refugou o pacto, desconfiou dele. O algoz porta-voz desta posição foi o deputado estadual e ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont. E dê-lhe o diário de luxo de Porto Alegre, Zero Hora, a dar grande destaque para a oposição dele à proposta.

Estranhamente, já em meados de junho, Pont afirmava-se dentro do Pacto e, para maior estranheza geral, em um almoço com os jornalistas, dia 03/07, do Legislativo com a imprensa diária sobre o pacto, Pont defendeu que as atuais altíssimas alíquotas de ICMS sejam mantidas para o próximo governo. Chamou a atenção e causou estranheza, porque, no início de 2004, ele e o partido dele posicionaram-se contra o aumento das alíquotas de ICMS sobre energia, combustíveis e telecomunicações, majoradas de 25% para 29% - um horror, um ataque a vítimas indefesas, os supostos contribuintes (na verdade, compulsórios). Para manter um Estado falido no mínimo (pagando salários defasados).

O que houve com Raul Pont? Seja o que for, foi bem acolhido pela redação de política de Zero Hora, onde são grandes as bancadas de Tarso Genro e de Olívio Dutra, no primeiro time, e de Flávio Koutzii, Estilac Xavier e Adão Vilaverde, no segundo.

A colunista de política de ZH, ou sua interina, facilmente encontram com o que fustigar políticos do PFL ou do PP. Mas, para fustigar as bobagens ou as incoerências do PT, de fama bien otenida, parece, devem garimpar laborosiamente nas entrelinhas de algum discurso de gritante incompatibilidade com os fatos (como ao Dutra elogiar o uruguaio Tabaré Vasquez e sua ligação com o Mercosul, quando, de fato, o Uruguai está mais interessado em um acordo bi-lateral com os EUA - à Chavez).

Em Zero Hora de ontem, 04/07, era desmesurado e inconseqüente o espaço dado a Raul Pont na cobertura do tal de Pacto (os políticos quebram o Tesouro e depois dizem que "todos são responsáveis", como na mídia paga nas rádios do Rio Grande do Sul). Ainda mais se for considerado que ele foi o principal porta-voz da oposição ao pacto. (Aliás, 'pacto' é termo de infelicíssima escolha por quem a fez. Vide 26 anos de história política deste país e o fracasso dos senhores eleitos em administrar com zelo as contas públicas e sempre invocar um pacto nacional.)

Raul Pont era o deputado mais citado na reportagem sobre o pacto, às páginas 06 e 07, e, novamente, citado na coluna de política, mesma edição, páginas depois. O que faz supor que a interina é da bancada de Raul Pont. Mas ela também pode votar em Olívio Dutra, que concorre a outro cargo.

Qualquer um sabe que os grandes veículos de comunicação, neste país, acendem uma vela para cada santo, em ano de eleição. Mas a equipe de política de ZH poderia livrar seus leitores desta estranha visão da realidade. Para que não sucumbam a uma maldição da imprensa pátria.

Qual seja: o que mais separa o jornalista dos fatos é a notícia.

1 Comments:

Blogger HelioPereiriano said...

Esta atitude de Raul Pont parece imitação dos personagens do Animal's Farm, onde um porco revolucionário mantinha sua opinião somente para se opor ao adversário político e a mudava de idéia quando quando a nova posição lhe convinha, mesmo que isto significasse apoiar o que outrora havia condenado. Este seu artigo ilustra bem a pobreza e a temporalidade dos discursos políticos, e o exemplo citado se configura num verdadeiro "topos" no sentido grego clássico.

Um outro texto que tabém merece uma lida é o " Como Fazer Uma Revolução Liberal". A grande questão é que se a atitude liberal é avessa ao uso da força, como pode inspirar um processo revolucionário ? Este artigo tráta justamente disso.

11:25 PM  

Postar um comentário

<< Home