A contradição de Scliar
Na edição de hoje, 01082006, do jornal Zero Hora de Porto Alegre, o eminente médico e talentoso escritor Moacyr Scliar (o homem é membro da ABL!) incorre em um erro muito comum, da parte de os intelectuais (imagine-se os mais comuns dos mortais) deste país. Trata-se de o coletivismo/estatismo, causa de tanta morte e miséria mundo afora, em especial, ao longo do século XX, de regimes totalitários.
Scliar fala do cinto de segurança, de que não usava o dispositivo e, por isso, foi multado, por um azulzinho (agente de trânsito estatal), que o caneteou, sem que ele o percebesse. Scliar considera o castigo merecido. E lembra da polêmica sobre a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, que seria uma violação de direitos individuais exigí-la e multar sua falta.
Scliar sai-se com "Direito individual? Sim, mas com repercussão coletiva. Porque se a pessoa sofrer um acidente, e, por causa do cinto, tiver lesões graves, exigindo hospitalização, é a sociedade que pagará por isso, na forma de despesa do SUS ou de seguro privado."
O ilustre escritor esquece que, mesmo que a pessoa use cinto e nunca se acidente, ela pagará para ser atendida pelo SUS que é, outrossim, uma imposição justificada somente por uma filosofia coletivista, estatista. Pague, mesmo que não use. Isso sim é uma violação do direito individual. Ou seja, ele está supostamente debatendo um tema, quando, na verdade, já está enclausurado na galáxia da violação do direito individual - no caso, a obrigação de todos de pagar, mesmo que nunca venha a usar; ou mesmo que use.
Quanto ao seguro privado, é de uma esfera de discussão distinta, pois o faz quem o quer e tanto segurado, quanto seguradora, assumem o risco de livre e espontânea vontade, ao contrário do sistema estatal. Se o sujeito pagou o seguro e nunca usou, não foi obrigado a o fazer. Se a seguradora aceitou o segurado e teve de honrar o sinistro, assumiu, desde sempre, o risco de o fazer. Fair enough.
Mas, ao final do artigo, após relatar que, em Brasília, implantou-se o respeito no trânsito, o notório novelista sai-se com "Para sair desse caos [o trânsito brasileiro] só há um jeito: criar uma cultura de respeito aos outros".
Perdão, Scliar, mas o fato de sermos obrigados a pagar pelo SUS, mesmo que não usemos, é o desrespeito original do coletivismo ao indivíduo. O senhor pede submissão ao coletivo, ao se usar o cinto e pagar pelo SUS [à força], e pede, a seguir, sua negação, ao invocar respeito ao indivíduo.
O que o senhor talvez não perceba, é que vivemos em uma cultura coletivista, de sacrifício cotidiano e constante do indivíduo - como ao pagar pelo SUS e tantas outras fomes zeros - fato que gera uma atitude anti-individualista ao se sentar o sujeito ao volante de seu veículo. O ideário coletivista, que pratica a destruição do direito individual, infiltrado que está na mente de todos, gera a atitude supostamente egoísta de não se conduzir um veículo atento aos demais.
Assim, o autor pede coletivismo e individualismo, desideratos contraditórios, totalmente incompatíveis.
O coletivismo é a doutrina política dominante no Brasil e dela são vítimas até mesmo as mentes mais esclarecidas da nação.
Seria necessário aqui mais um parágrafo sobre o termo 'egoísmo'. Ele é, de fato, o obséquio do respeito ao indivíduo. Somente em uma cultura individualista, um irá respeitar o outro, pois tal cultura propagará o conceito de inviolabilidade da vida alheia - o que Scliar pede ao final. Mas, enquanto vivermos em uma sociedade coletivista, subliminarmente, o desrespeito a outrem, o sacrifício de outrem, será praticado diuturnamente nas ruas. E o "egoísmo" será compreendido não como sacrifício de outrem, mas, seu oposto, somente quando abandonarmos o coletivismo.
Vai levar muito para o Brasil chegar lá, pois a violação da individualidade é praticada o tempo todo pelo Estado/governos.
Enquanto isso, Scliar, grato por me levar a pensar sobre isso e, perdão, se o comentário não te agradou.
De seu leitor e admirador, deste blog redator,
Bertrand Kolecza (kolesza, na web)
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